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redemunho

segunda-feira, junho 05, 2006

A orquestra sergipana na ponta do iceberg

PLAM PLAM, PLIM, PLOOOMMM. Os braços do maestro pareciam asas que saltariam em vôos dentro daquele gélido teatro. A vontade de voar era culpa própria; a cada levantar de braço, emergia uma nuvem sonora tão maciça quanto suas pegadas. Na escuridão do público, fixos brilhos surgiam dos olhos estáticos no caminhar das mãos do pianista.
É agora! (todos atentos ao leve toque do maestro)
Como guerreiros – na luta em defesa de uma causa – os violinistas inclinavam os arcos contra o corpo feminino; preliminando o susto entre “LAS e RÈS” – cortantes aos ouvidos mais experientes. Experiência essa que mente, limitando o prazer – diluída dentro dos movimentos ímpares executados pelo líder.
Sanguessuga de diálogos corri contra o público que imaginava ter por fim o espetáculo. Entre cadeiras e papeis cheios de notas, chego num transito de trombones, mulheres que conversavam e ajeitavam os vestidos, até encontrar um trompetista que informara onde estava o maestro: “no outro lado”, diz.
Por trás do negro pano que serve de muro ao fundo da orquestra, vejo um rapaz com um olhar fixo ao chão. Caminhava próximo a uma luz negra:

- Maestro?
- Sim.
- Prazer. Sou Arnon.
- Íon Bressan.
- Gostaria de marcar uma entrevista com o senhor.
- Amanhã. Amanhã não! Segunda, três horas.

Ele abaixou a cabeça depois do combinado. Segui para junto de uma das cortinas que servia de acesso. Conversei com alguns músicos como fazia para sair dali. Imaginei estar incomodando; e o receio surgia em próprios funcionários pedir que me retirasse.

(IDIOTICE!)

“Não tem como sair agora; as portas estão fechadas. A não ser que você dê uma volta pelo outro lado. Mas relaxa, puxa uma cadeira”, um ajudante de palco.
Enquanto sento no melhor lugar do espetáculo, observo os músicos ajeitando-se entre cadeiras; e o líder arquear-se (como procurando algo) ao ouvir um comunicado feito por alguém que representava a casa.

PAM PAM PAM PAAMMM! (era a quinta de Beethoven)

Já não mais suportei somente escutar a execução e levei a cadeira pra junto de um dos corredores cortinados. O rapaz da percussão – com seus longos dreadlocks – observa os violinistas tremularem o som; levantando a orquestra com tênues golpes no tímpano; debaixo de suas individuais dezesseis luzes.
As almofadinhas brancas das baquetas diferiam das caras dos sopristas: arroxeadas da preocupante permanência do tom.
Agora sim! É o fim do movimento e da noite. Sob demoradas palmas vejo Íon caminhando contra a minha direção. Num súbito giro retorna ao palco tomado pela euforia do público. Em menos de um minuto surge novamente acompanhado de uma tropa silenciosa. “Perfeito”, foi a ultima palavra dada por ele antes de olhar para o relógio de bolso; sumindo pelos corredores escuros do teatro.

(23/05/2006; a entrevista somente é concedida oito dias após o combinado).


Arnon Gonçalves: Com tantos trabalhos externos você sente que Aracaju é sua casa?

Ion Bressan: Aracaju e Sergipe têm grande potencial de crescimento. Um ambiente muito propício, sendo um estado muito musical. Pela quantidade da população é o estado que mais têm filarmônicas. E aqui cresce o trabalho com a sinfônica e com a orquestra jovem.
Então vim pra cá e aposto que aqui pode se tornar um dos grandes centros musicais do país.

AG: Anterior a tocar aqui na Sinfônica você visava tocar em outra orquestra ou em outro país?

IB: Não. Estudei na Rússia algum tempo, fiquei quatro anos em Porto Alegre e depois comecei a trabalhar no Equador como regente adjunto, onde continuo. Fui convidado a trabalhar aqui e fico com esses dois postos. Vou uma ou duas vezes pra lá. É a função do regente adjunto. Mas minha dedicação principal é aqui em Aracaju.

AG: Como se deu essa situação de ser maestro? Em casa havia muitas influências?

IB: Meus pais não são músicos e não se envolviam com a música. Mas aprendi numa banda sinfônica do colégio estadual. Comecei lá e encantei-me e escolhi como profissão.

AG: Você vê influência brasileira de alguma forma em suas execuções. Mesmo em obras de compositores de outras nacionalidades?

IB: Ah, sim. A origem e a nacionalidade influem claro. Existem nuances do tipo brasileiro; caráter, apesar de se tocar música russa, alemã ou italiana.
É claro que dentro de certos estilos há certa rigidez que não pode ser ultrapassada. Mas eu poderia fazer eu poderia faz uma relação em que um grupo musical estrangeiro pode tocar bossa nova. Mas certamente será um samba ou bossa nova um pouco diferente do que feito aqui.

AG: Como se dá esse trabalho de recuperação de compositores brasileiros. É somente música erudita?

IB: Dedico-me com uma área de pesquisa que é descobrir compositores mais eruditos, mas também no geral. Em especial, recupero óperas.
No Brasil houve um grande período de grande produção operística. A grande maioria dessas obras está esquecida em algum lugar. Consegui recuperar duas obras que já foram gravadas em CD, e já estou na fase de recuperação de mais duas. É um trabalho de pesquisa de muito tempo. São muitos anos pra cada ópera ser recuperada, organizada, encenada e gravadas. Esse trabalho já deu dois CD´s , uma edição de um livro com mais uma outra com partituras.

AG: Quais, por exemplo?

IB: Ópera Carmela, do José Antonio Vianna, compositor gaúcho.
Quando eu estava em Porto Alegre, nós encenamos e montamos a ópera; depois gravamos e lançamos em CD. Depois, ainda em Porto Alegre, tem uma obra chamada “Boiúna”, baseada numa lenda amazônica. Ela conta como surgiu a noite e o dia, e sua divisão; também encenada e gravada em CD.

AG: Além desse mundo erudito, o que você escuta?

IB: Gosto de música bem feita. É claro que, até minha profissão exige isso de escutar muito repertório, mas gosto muito de MPB, especialmente bossa nova. A música feita nas décadas de 60, 70 e uma boa parte da de 80 são músicas que me atrai bastante.

AG: A escolha por Beethoven no concerto comemorativo ao 37º aniversário da Universidade Federal trás composições de uma fase até conhecida do público. Mas mesmo assim você não acredita que anda um pouco repetitivo executar a “Quinta” ou mesmo a “Nona”?

IB: Uma: são obras extremamente conhecidas. Outra: como se programa uma orquestra? Baseia-se num repertório que já existe e no que há presente. Mas existem proporções disso, e a programação se faz anualmente. Então, uma cota é das sinfonias já conhecidas e outras obras são de esteia para a cidade. E uma outra parte são as que não são tocadas nunca. Ou seja, pelo menos tem um compositor novo ou uma obra descoberta, ou esquecida.
A Quinta Sinfonia é conhecida no primeiro movimento. Será que os outros três movimentos são conhecidos tanto quanto o primeiro? Melhor! Além do “TCHAM TCHAM TCHAM TCHAMMM”, alguém conhece mais do isso? Sei que é relativo e que claro muitos conhecem, mas há um grau de diferenciação. Por exemplo: tocar a quarta de Beethoven. É conhecida ou desconhecida? É justamente que sendo conhecida será incluída no programa. Talvez estrear com uma obra inteiramente desconhecida possa não ser o mais adequado.

AG: Como você vê esses jovens dentro de um mundo onde a música tornou-se um elemento tão fragmentado, com pouco trabalho de execuções? Estudar horas diárias de música erudita durante quase uma década.

IB: Nessa profissão não tem alternativa, por mais tecnologia que exista você precisa passar anos estudando sob uma boa orientação.
Um aspecto interessante é que o número de orquestra no Brasil está aumentando a cada ano. Há trinta anos havia cinco vezes menos orquestra. Quanto mais aplicarem em educação resultará em outras áreas. Cria-se um mercado que não existia no país. Antigamente era extremamente restrito, de baixo nível, uma ou outra orquestra de razoável qualidade.
Hoje temos um outro mercado que gera emprego, movimentação de renda. E a música é um dos meios possíveis de inclusão social.

AG: Como você vê hoje a ORSSE em relação ao período da década de 80; grande momento de atividade musical?

IB: A orquestra está cada vez mais estruturada, cada vez melhor. Estão sobrando quinze vagas que darão mais qualidade quando forem preenchidas. Até agora ela deu enormes saltos com grandes resultados. Mas estará ainda melhor em curtíssimos prazos.

AG: Novos trabalhos, novos estudos, projetos?

IB: Iremos lançar um CD ao final de junho. Vamos fazer a primeira ópera em Sergipe, a Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni (grifo meu). Em setembro a orquestra provavelmente vai para Salvador e depois pra Maceió com essa ópera; sendo essa a primeira turnê.
E tem um grande trabalho que é a interiorização da cultura alemã na orquestra do interior, e a criação de duas orquestras jovens: a orquestra jovem de Sergipe e a Orquestra Sinfônica de Itabaiana; são dois núcleos jovens para ingressar no mercado de trabalho. Dois núcleos, um com 70 e outro com 55 músicos. Excelente!