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quinta-feira, julho 21, 2005

Os longos ângelus são mudos

Ultimamente – se é que mereço tal honraria – tenho sido convidado a participar de saraus poéticos em casas, ou até mesmo em sebos. Acreditam ser neste último, o melhor lugar a recitar poesias. Não sei se livros passam energias, mas... Quando me convidam, sinto repulsa tanto aos que me convidaram, quanto ao circo a ser armado.
Esse nojo diante de tal atitude, e nojo aos simpáticos que ali se situam, deve-se a alguns pontos surgidos por situações, tanto sentimentais, quanto racionais. Primeiro: poema recitado não é registrado na memória. Segundo: exposição de poesia é o livro. Terceiro: já que é uma exposição artística, não seria mais prudente criar algo impresso, como um jornal especializado em poesias, trazendo tanto a poesia burguesa quanto a suburbana? Lembrando de subúrbio, será que eles irão dar oportunidade aos poetas favelados?
Essa experiência – o tal encontro medonho – que por sua vez se torna limitada a um número ímpar de pessoas, cria uma divisão entre centro e subúrbio.
Admito que certa vez compareci a tal parolagem. Foi em um sebo – que no momento não me é de interesse citá-lo – que transbordava de conversas intelectuais sobre a estética e versatilidade dos poetas elisabetanos, ou ainda, dos poetas parnasianos e seu legado a futuras gerações.
Quando começou, depois de muitos sorrisos duvidosos, começou também uma chuva de frases de efeitos surpreendentes, mãos abertas clamando o apocalipse, olhos arregalados – tudo feito por nomes feitos. Parecia um jogo de futebol, onde letras eram bolas quicando aos ouvidos dos menos atenciosos. Permaneci por cinco minutos.
Não sinto emoção alguma em uma dama recitar Neruda para mim:

“Para meu coração teu peito basta,
para que sejas livre, minhas asas.
De minha boca chegará até o céu
o que era adormecido na tua alma.”

Sou romântico. Mas a questão que segue é o fato do domínio quanto à poesia. A arte é impessoal. É de todos, e todos tem que sentir o que é transposto. O artista, que por muitas vezes descuida, deve dar-se ao máximo em cima da obra criada.
A opção por tal poeta, dirige-se a um elemento de individualidade: a identificação. Identifica-se por algo único em tal poeta. É algo que só vocês dois tem em comum. É o que difere dos outros, e por tal motivo o torna melhor que outro poeta. Tanto eu como qualquer outra pessoa, podemos ter as mesmas identificações pelas belas frases do poeta chileno. Mas a forma como se lê, o dia em que você vive, a disposição da mente naquele momento a visualizar ou mesmo sentir tal poema, acabam sendo formas particulares que implicam na interpretação dos versos lidos.
É impressionante como a forma desrespeitosa quanto à poesia se tornou comum em nosso país. Acredito que tal aspecto também seja comum em países europeus – tradicionais no surgimento de poetas influenciadores – a mediocridade se tornou globalizada.
Exposição – já que aqui as coisas não estão, ou nunca chegaram a melhores épocas – são pinturas de papagaio, corpos femininos com seios desproporcionais, ou ferros retorcidos que exprimem a “congruência entre corpo e mente”. Prefiro ficar com meu livro. E ainda, decreto: “vamos boicotar os saraus!”

arnon gonçalves


3 Comments:

Blogger Mirela Magnani said...

Acho q nunca tive a oportunidade de ir a um sarau, portanto não tenho muito embasamento pra criticar. Mas concordo que a arte é subjetiva e impessoal e as interpretações certamente variam de acordo com essa subjetividade. Hoje vejo a literatura como significantes. Os significados são criados pelas nossas mentezinhas insanas. =P=D
Em defesa dos saraus, só posso declarar q o teatro pode estar intimamente ligado à obra poética de determinado artista, basta que haja critério na hora de elaborar esses encontros e as apresentações artísticas. Acredito que há quem confunda "sarau" com "bacanal". Talvez seja esse o problema =D
Beijo procÊ! :**

7:31 PM  
Blogger redemunho said...

Bem sua cara Arnon esse blog :)
Nem precisava te dizer isso kkkkk
Adorei...
Vc sabe que eu adoooooro poesias. Vou fazer uma aula de poesia portuguesa de origem africana esse proximo semestre, pense na emocao!
:)
Saudades
Claudia!!!!!

1:39 PM  
Blogger Vladimir Oliveira said...

Todo concretização é uma redução das possibilidades. É morte. Mas ao mesmo tempo que o poema morto ganha vida com cada leitura nossa, também pode ganhar vida recitado. Mas aposto que ele preferiria continuar morto a se ver usado para fins tão medíocres como os saraus "de madame".

P.S.: Eu recito sob efeito do alcool. Mea culpa, mea maxima culpa.

7:35 AM  

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